terça-feira, 2 de julho de 2013

ESTRESSE E O SEU EFEITO NA SAÚDE BUCAL



Pesquisas apontam que o estresse pode causar doenças periodontais quando associado à má higienização bucal. O cirurgião-dentista pode considerar aliar seu tratamento odontológico à mudança comportamental do paciente – mesmo que trabalhe em parceria com psicólogos.

reportagem 1024


O estresse está cada vez mais presente na sociedade moderna e pode causar, além das desordens psicológicas, desordem no organismo – levando à enxaqueca, problemas cardiológicos, etc. Nas desordens do organismo, pode-se incluir a saúde bucal. O estresse pode estar diretamente ou indiretamente relacionado aos problemas bucais – desde as aftas, que surgem quando o sistema imunológico está baixo, até às doenças periodontais. Há alguns estudos que relacionam o estresse “crônico” com tais doenças bucais, enquanto outros relacionam as causas do estresse a essas doenças – quando o paciente tem hábitos que influenciam na saúde bucal, como fumar, ou quando deixa de manter adequadamente a higiene bucal. Ou, ainda, em alguns casos, quando o organismo reage ao estresse, afetando, indiretamente, a saúde bucal.
Estudos epidemiológicos realizados em animais no ano de 2008, na Faculdade de Odontologia de Piracicaba, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), apontaram relação entre as doenças periodontais e o estresse. Isso após estudos anteriores em animais e epidemiológicos sugerirem que o estresse pode alterar o estabelecimento e a progressão da doença periodontal.
O estudo deu origem à tese de doutorado de Daiane Cristina Peruzzo. Intitulada “Impacto do estresse na doença periodontal”, a tese, realizada na mesma faculdade, aponta que, o estresse em associação com a má higiene bucal aumenta as chances do desenvolvimento de doenças periodontais.
À época, Peruzzo concluiu em sua tese, dentre outros fatores, que “os estudos em humanos analisados na revisão sistemática, demonstraram, em maioria (57,1%), um desfecho positivo entre estresse/fatores psicológicos e doença periodontal. Sendo assim, pode ser observado que há uma importante inter-relação entre os fatores psicossociais e as doenças periodontais”.
Após estudo, Peruzzo concluiu pós-doutorado relacionando a Periodontia e Implantodontia na Faculdade São Leopoldo Mandic, em Campinas, onde atualmente continua em clínica, é docente e pesquisadora. A profissional também atua como professora colaboradora da FOP – Unicamp. A doutora reafirma, atualmente, que o estresse crônico tem repercussão na saúde bucal, pois ele pode atuar de duas maneiras: pelo modelo comportamental ou pelo modelo biológico. “O modelo comportamental é quando os indivíduos tendem a piorar seus hábitos, de modo a influenciar negativamente na saúde periodontal, negligenciando a higiene oral, aumentando o consumo de cigarros e ingerindo bebidas alcoólicas, além de haver o descontrole de diabetes, mudança de dieta, entre outras coisas”, afirma.
Já o modelo biológico é o que é gerado no corpo do paciente, devido a este estresse crônico. “Neste caso há um aumento na liberação de hormônios, dentre eles, o cortisol, que gera alterações no organismo e leva à redução do fluxo salivar, alteração da circulação gengival e às alterações na resposta imune-inflamatória dos tecidos bucais”, acrescenta a doutora. De acordo com ela, o modelo biológico do estresse crônico pode ser detectado clinicamente “por meio de sangramento e inchaço das gengivas, retração gengival, perda óssea que pode levar à mobilidade dos dentes, aumento de lesões de cárie e mau hálito”.
Os hábitos, como fumar cigarro e consumir álcool, estão indiretamente relacionados ao estresse. “O hábito de fumar é um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento e progressão da doença periodontal, pois facilita a proliferação de bactérias patogênicas e reduz as células de defesa presentes nos tecidos gengivais”, alerta. Paralelamente, o consumo de álcool age pela alteração do comportamento, onde os indivíduos passam a descuidar da higiene bucal, da sua alimentação e da saúde como um todo. “Esses fatores, associados aos possíveis efeitos do estresse, podem levar a um aumento na progressão e severidade das doenças periodontais, bem como lesões de cáries”, acrescenta Peruzzo.
A doutora explica que, em resposta ao estresse, algumas mudanças fisiológicas decorrem da ativação do Sistema Nervoso Autônomo (SNA), enquanto outras, da ativação do eixo HipotálamoPituitário-Adrenal (HPA) – os quais também foram citados em seu estudo de 2008. “A ativação desses sistemas resultam na liberação de hormônios, os quais vão agir sobre a glândula adrenal, responsável pela produção de cortisol e catecolaminas. Estas substâncias regulam uma série de funções corporais, incluindo efeitos na modulação do sistema imune, responsável pelas defesas do organismo. Essa modulação, que altera o equilíbrio do sistema imune, causa predisposição a uma maior progressão e severidade de doenças imune-inflamatórias, incluindo a doença periodontal. Associado ao efeito biológico, a má higiene bucal propicia acúmulo de bactérias na cavidade bucal que são a causa primária de cárie e doenças periodontais”.
Na ordem biológica, ainda, outra consequência do estresse pode ser a halitose. “Um dos principais vetores causadores da halitose é a redução do fluxo salivar, e o estresse pode produzir esse efeito. Desta forma, a halitose pode, sim, estar relacionada tanto ao estresse como a medicações que são utilizadas para o tratamento das desordens psicológicas”, diz.
Apesar de tais constatações, Peruzzo afirma que o estresse é capaz de causar essas alterações no metabolismo, mas na ausência a placa bacteriana, não consegue por si só desencadear a doença periodontal. “Isso significa que, mesmo na presença de estresse, se o indivíduo tiver cuidados adequados com a higiene, não há desenvolvimento de doença periodontal”, lembra.
Mesmo que haja a identificação do estresse relacionado com a doença periodontal no paciente, a doutora afirma que não é possível quantificar se tais doenças são apenas relacionadas ao estresse: “Existem os vieses de confusão, que são outras variáveis que podem interferir na expressão da doença, por exemplo, fumo, diabetes, etc. Desta forma, fica difícil quantificar o quanto que a variável do estresse, isoladamente, pode interferir na expressão da doença”.

Dentista e psicólogo
Independentemente do fato de o dentista não conseguir identificar se o problema bucal é relacionado diretamente ou não ao estresse, segundo Peruzzo, sempre que ele diagnosticar um paciente com este problema, estes devem receber uma atenção diferenciada. “O dentista tem o dever e a responsabilidade de buscar a causa dos problemas”, diz.
Ela lembra que só o estresse não causa problemas na cavidade bucal, se for realizado um adequado acompanhamento relacionado a uma higiene bucal satisfatória e manutenção da saúde periodontal.
Desta forma, o dentista deve orientar o paciente para que ele tenha conhecimento dos possíveis danos causados pelo estresse, da importância dos cuidados com a higiene bucal, da necessidade de tratamento periodontal e, muitas vezes, da necessidade de uma abordagem multidisciplinar com um profissional capaz de tratar desordens psicológicas.
O dentista não tem formação psicológica para saber identificar que o paciente está sofrendo estresse e qual tipo de estresse é esse, para tratar o problema desde seu início – e para, consequentemente, conseguir tratar por completo a causa final na saúde periodontal. Entretanto, quando o dentista identificar uma desordem psicológica mais severa, deve encaminhar o paciente a um tratamento psicológico especializado para atrelar seu tratamento odontológico. “O dentista não tem formação acadêmica para diferenciar os tipos de estresse e para tratar isso, mas diante de uma anamnese, uma entrevista com o paciente bem detalhada, consegue identificar a presença de desordens psicológicas neste paciente e observar a necessidade de trabalhar associado a um profissional especializado”, afirma a cirurgiã-dentista.
Quando o estresse é identificado pelo dentista, através da anamnese ou conversas com o paciente, Peruzzo aconselha considerar duas situações diferentes em relação a tal paciente: aquele que chega ao consultório com saúde bucal e o paciente que já chega com algum grau de doença periodontal – como a gengivite ou periodontite. “Nos casos de saúde, devemos informá-lo sobre a possibilidade de alterações relacionadas ao estresse na cavidade bucal e orientar sobre a necessidade de cuidados específicos relacionados à placa bacteriana. Nos casos em que os pacientes já chegam com algum grau de doença periodontal, deve-se realizar o tratamento dessas doenças com atenção especial à higiene bucal do paciente”, indica. Em ambos os casos, para ela, tais indivíduos devem fazer consultas de “manutenção mais frequentes para melhor resultado do tratamento e prevenir o agravamento das doenças bucais”.
Quando o problema psicológico afetar a saúde bucal e o paciente não conseguir lidar com sua higiene bucal e idas constantes ao consultório odontológico, o dentista não conseguirá aplicar um tratamento odontológico que resolva os problemas bucais por completo – devendo de fato, então, realizar uma abordagem em conjunto com um profissional da saúde mental. “Neste caso, o dentista assume o seu papel em relação aos cuidados com a saúde bucal e o profissional da saúde mental será responsável por assumir os cuidados necessários para ajudar o paciente em relação aos seus problemas de ordem psicológica”, recomenda.
Para associar o tratamento bucal com outros profissionais, como psicólogos e outros da saúde, é preciso lembrar, primeiramente, que o paciente deve ser visto como um todo. “Precisamos quebrar os paradigmas de que o médico enxerga o paciente sem boca e o cirurgião-dentista enxerga uma boca sem corpo! Precisamos entender os pacientes na sua integralidade, respeitando suas ansiedades, medos e expectativas. Adicionalmente, devemos perceber que os pacientes estressados devem ser vistos de uma maneira diferenciada, entendendo as repercussões do estresse na saúde bucal e possibilitando um tratamento diferenciado”, finaliza.
 Fonte:www.odontomagazine.com.br

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