segunda-feira, 28 de maio de 2012

ENTREVISTA SOBRE CONTENÇÃO EM ODONTOLOGIA COM O ESPECIALISTA JOSÉ REYNALDO FIGUEIREDO




Odonto Magazine – O que se pode entender por contenção na prática odontológica?
José Reynaldo Figueiredo -
Bem, para começar é necessário explicar que não há um consenso na definição de contenção. Muitos profissionais podem considerar que apenas um abridor de boca seja definido como uma forma de contenção, afinal o abridor está contendo o fechamento da boca; e outros consideram, em casos mais complexos, até a necessidade de uma anestesia geral para conseguir executar adequadamente procedimentos que seriam simples em pacientes colaborativos. A intenção é que se promova um atendimento tranquilo, sem riscos de ferimentos e traumas para pacientes e profissionais durante a execução de procedimentos em pacientes que não permitem uma abordagem serena, segura e de qualidade, sem movimentações voluntárias ou involuntárias.
Odonto Magazine – Quais são os tipos de contenção mais empregados pelos profissionais de saúde bucal?José Reynaldo Figueiredo - A contenção física, que pode contar com o apoio dos responsáveis pelo paciente, pela equipe auxiliar e equipamentos apropriados; e a contenção química, que vai desde o uso de sedação consciente, passando por medicações previamente receitadas até a anestesia geral.
Costumo dizer que existe outro tipo de contenção: a criação de vínculo afetivo com o paciente. É uma forma mais humana de abordagem, onde deve se esgotar todo repertório de argumentos para a conscientização do paciente sobre a necessidade do tratamento odontológico, utilizando-se de palavras de apoio, compreensão das condições clínicas dos pacientes e abusando de gestos de carinho e respeito ao paciente.
Odonto Magazine – Quando é indicado o uso de contenção física durante o tratamento dos pacientes?José Reynaldo Figueiredo – A contenção física é indicada em pacientes com necessidades especiais (PNE) que apresentam incoordenação motora acentuada; pacientes com atraso de desenvolvimento intelectual, que não permitem abordagem adequada; e crianças muito pequenas, que não colaboram com o tratamento. Tudo isso quando é possível manter o controle da situação.
Odonto Magazine – Quais são as contraindicações do procedimento?José Reynaldo Figueiredo - A primeira contraindicação é a não aceitação por parte dos pais ou responsáveis. Também existe a inabilidade do profissional e da equipe que o assessora; e quando há riscos de traumas psicológicos ou físicos no paciente. Nestas condições, a contenção física não é uma ferramenta de auxílio ao profissional e, sim, um instrumento de tortura.
Odonto Magazine – Quando a contenção física se torna indispensável para a segurança do paciente e do profissional de saúde bucal?José Reynaldo Figueiredo - Existem situações na clínica de pacientes com necessidades especiais e também de odontopediatria que não são confortáveis tanto para profissionais como para pacientes. Por exemplo, na odontopediatria, todo profissional sabe que acidentes acontecem, e com crianças eles são mais doídos. Imagine uma criança pequena que sofra um trauma dentário e que necessite intervenção imediata do cirurgião-dentista. Em determinadas circunstâncias não há conversa que acalme a criança (e às vezes nem os pais) e a convença da necessidade de se comportar, mas o problema está ali e é preciso resolver. Em prontos-socorros de hospitais isso é muito comum. Na prática odontológica isso causa uma celeuma sem fim. O mesmo acorre com pacientes com necessidades especiais.
Na ânsia de não corromper os direitos do cidadão, aquele PNE que por desventura apresente um quadro infeccioso ou dor e não tem acesso a um tratamento especializado e de alto custo, por exemplo, uma internação hospitalar, tem que conviver com aquele desconforto, para não dizer desespero, por muito tempo.
O não uso da contenção não é apenas desumano, é hipócrita.
Odonto Magazine – Quais são as orientações indispensáveis aos profissionais para a realização do procedimento?José Reynaldo Figueiredo - As contenções deverão ser utilizadas quando absolutamente necessárias e a restrição deverá ser a mínima possível. Nunca deverá ser utilizada como forma de punição àquele paciente não colaborador e não deverá ser utilizada apenas para a conveniência do operador.
Orientações prévias deverão ser dadas aos responsáveis e aos pacientes, o responsável deverá acompanhar o procedimento do começo ao fim, para ciência de ocorrências inoportunas e o informe de consentimento deverá ser solicitado.
Odonto Magazine – Como o dentista e a equipe auxiliar devem agir para que não aconteçam imprevistos durante o procedimento odontológico acompanhado da contenção física?José Reynaldo Figueiredo - Antes de tudo, o profissional deverá estar habilitado para tal atuação. De nada adianta querer fazer uma contenção física e causar mais transtornos ao paciente: o nome disso é iatrogenia.
Odonto Magazine – Como o profissional de saúde bucal deve agir para não apresentar a contenção física como uma forma de castigo?José Reynaldo Figueiredo - Para alguns casos de PNE essa é uma discussão vã. Às vezes o cognitivo do paciente impede que ele compreenda o gesto do profissional, para isso, o cuidador deverá ser muito bem orientado, e no mais das vezes ele compreende que a punição maior está em deixar seu protegido sofrendo por uma afecção odontológica.
Quanto aos pacientes com cognitivo preservado, cabe ao cirurgião-dentista praticar mais do que Odontologia, ele deve ser persuasivo, sensível e responsável em sua atuação.
Odonto Magazine – Como realizar a prática seguindo os parâmetros legais?José Reynaldo Figueiredo - Não existem normas na legislação que padronizem essa atuação, mas o código de ética da Odontologia traz alguns artigos que podem nortear essa práxis:
No capítulo I, Art. 2º. A Odontologia é uma profissão que se exerce, em benefício da saúde do ser humano e da coletividade, sem discriminação de qualquer forma ou pretexto. No capítulo V, Art. 7º. inciso V. Constitui infração ética: executar ou propor tratamento desnecessário ou para o qual não esteja capacitado.
Fazendo a hermenêutica dos artigos, não é difícil deduzir que devemos atender o paciente em condições adversas, mas devemos, principalmente, estar preparados para executar o procedimento.
Odonto Magazine – Qual é a importância da participação dos pais ou responsáveis durante o processo?José Reynaldo Figueiredo – A presença dos pais é fundamental, tanto no consentimento quanto na própria colaboração junto ao dentista, seja no apoio psicológico ou no prático.
Odonto Magazine – Como a prática da contenção física em pacientes com necessidades especiais é vista pelo Conselho Federal de Odontologia?José Reynaldo Figueiredo - Ao que me conste, até o momento, o CFO é alheio a essa discussão. Não há um “guideline” que os dentistas possam se nortear.
Odonto Magazine – Qual conselho o senhor deixaria para o profissional de saúde bucal que busca oferecer atendimento eficiente e eficaz aos pacientes com necessidades especiais?José Reynaldo Figueiredo - Não há como fugir do óbvio: estudar, estudar, estudar sempre e aprender com os insucessos. Infelizmente não há uma receita pronta. Cada caso é um caso. Compreendo, perfeitamente, que o assunto é polêmico, mas, ao mesmo tempo, instigante.

José Reynaldo Figueiredo
Cirurgião-dentista. Doutor em Odontologia Social pela Faculdade de Odontologia da USP. Mestre em Odontologia Legal e Deontologia pela USP. Especialista em Odontopediatria e em Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais. Vice-presidente da Associação Brasileira de Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais (ABOPE). Cirurgião-dentista da Associação de Assistência à Criança Deficiente – AACD. Membro do Conselho Científico da Revista Odonto Magazine.

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