segunda-feira, 28 de maio de 2012

O ESTOMATOLOGISTA E O TRANSPLANTE DE MEDULA ÓSSEA





Mais uma vez voltamos a reforçar a necessidade da multidisciplinaridade entre as várias especialidades das profissões de saúde. Não cabe a nenhuma delas ignorar que a boca é uma importante porta de entrada e/ou instalação de infecções.
Diante desse fato incontestável, nos transplantes de medula óssea (TMO) a presença de um cirurgião dentista (CD) que entenda o processo deve fazer parte das equipes de saúde que cuidam dos pacientes a ele submetidos.
O CD é importante para trabalhar na prevenção (ou tratamento) de infecções que tem a boca como fonte. Não se compreende como e porque uma instituição hospitalar possa realizar tais procedimentos sem o concurso de um CD na equipe.
Claro está que se o CD for despreparado, se nem sequer sabe interpretar um exame hematológico, reforçará as dificuldades que sua profissão tradicionalmente, e absurdamente, enfrenta em se integrar nessas equipes de saúde.
Se não tiver esse viés e interesse, melhor ficar longe. Existem muitas outras especialidades odontológicas para serem estudadas.
O TMO é feito, cada vez mais comumente, para o tratamento de leucemias, anemias aplásticas, linfomas e alguns tumores sólidos. Nestes pacientes um esquema quimioterápico intensivo, associado ou não à radioterapia corporal total, é administrado para eliminar as células malignas e células imunológicas o que lhes induz uma imunossupressão. Esta poderá durar até um ano após sua instalação.
Após esse procedimento inicial, a medula óssea é restaurada com a infusão de medula óssea ou células-tronco do sangue periférico no paciente, através de um cateter venoso central.
O TMO poderá ser autólogo—aonde o enxerto provém da medula óssea ou de células troncos do próprio paciente —; heterólogo — aonde a doação vem de um parente ou de outro indivíduo que demonstra compatibilidade—; ou singênico— aonde um irmão gêmeo foi o doador.
Pacientes candidatos ao TMO devem submeter-se a uma prévia avaliação odontológica clínica e radiográfica bastante criteriosa buscando a presença de infecções ou condições bucais que possam levar a infecções ou à indicação de cirurgia bucal no período imediato após o transplante. Uma infecção odontogênica nestes pacientes após o TMO pode resultar em sepse e morte.
Neste atendimento prévio o paciente será instruído nas formas mais eficientes de manutenção da higiene oral, no uso de antissépticos orais, no controle da dieta e será feita a fluoretação dental. Obter-se-á modelos dentários para confecção de moldeiras para posterior fluoretação doméstica.
Se o paciente já tiver um cateter implantado, e enquanto ele assim estiver, o uso de antibióticos é recomendado. Se for necessária uma cirurgia oral é preciso que ela ocorra pelo menos cerca de dez dias antes da supressão medular.
O tratamento odontológico dos pacientes pós-transplantados poderá ser difícil frente às várias complicações sistêmicas que eles carregam, além disto, deverá ser feito de forma rápida e, eventualmente, agressiva, sobretudo naqueles que relutam em fazer uma higiene oral mais minuciosa.
O tratamento odontológico eletivo ou emergencial será evitado durante seis meses após o transplante, pois até a aspiração inadvertida de saliva e outros fluídos oriundos da boca poderão levar a uma pneumonia. Se esse tratamento for imperiosamente necessário, o médico deve ser consultado, visando esclarecer se será mandatório ou não o uso de antibióticos antes do procedimento.
O período pós-transplante pode ser dividido em três fases: fase imediata, fase de estabilização do enxerto e fase de rejeição crônica.
Na fase imediata, que perdura três meses após o transplante, o paciente está imunossuprimido para que se evite a destruição do enxerto pelos linfócitos T citotóxicos. O CD deve saber interpretar os efeitos das diversas drogas imunossupressoras que estão sendo utilizadas para conseguir esse objetivo. Por causa disto, os transplantados estão sujeitos significativamente às infecções e apresentam vários efeitos colaterais ao tratamento médico.
Na fase imediata o tratamento odontológico de rotina é contraindicado e mesmo os tratamentos de emergência extrema somente poderão ser feitos após consulta com o médico e, certamente, antibióticos específicos serão usados pelo CD antes de sua atuação.
Nesta fase o paciente pode estar enfrentando um evento que lhe causa grande sofrimento: o aparecimento da mucosite e suas ulcerações disseminadas. O paciente já se encontra fragilizado pelo seu problema primário e ainda tem dores bucais que dificultam sua alimentação, deglutição e fonação. Aqui o papel do estomatologista torna-se abertamente humanitário ao tratar desta alteração de grande importância.
O exame hematológico, particularmente a contagem dos neutrófilos, ajudará a indicar o que for mais adequado. A recuperação do sistema hematológico se dará aproximadamente da seguinte forma: neutrófilos e fagócitos após um mês, linfócitos T após seis a 12 meses e linfócitos B após 12 a 24 meses.
Os cuidados com a higiene oral são imprescindíveis e serão associados com o uso de antissépticos tópicos.
As causas de infecção mais comuns na fase imediata são bacterianas (variadas), fúngicas (Candida e Aspergillus) e virais (Herpes simples e Citomegalovírus).
Na fase de estabilização do enxerto, que ocorre após três meses do transplante, a rejeição aguda está amenizada, mas o paciente continua imunossuprimido. Na verdade, o médico estará procurando estabilizar seu sistema imunitário visando evitar rejeição, particularmente se houver a reação enxerto-versus-hospedeiro.
As causas de infecção mais comuns nas fases de estabilização do enxerto e de rejeição crônica são bacterianas (bactérias encapsuladas) e virais (Herpes zoster e Citomegalovírus).
A fase seguinte é a da rejeição crônica do enxerto que ocorre quando o enxerto foi heterólogo (vide 8º parágrafo).
Pacientes nesta fase apresentam alto risco de terem a doença enxerto-versus-hospedeiro de forma aguda ou crônica. Esta reação causa várias complicações estomatológicas: mucosite, atrofia da mucosa, ulcerações, infecções bucais (principalmente candidose), complicações autoimunitárias (inclusive reações liquenóides, esclerodérmicas e semelhantes ao lúpus), limitações na abertura da boca e na mobilidade lingual, xerostomia e cáries rampantes.
O tratamento da doença enxerto-versus-hospedeiro induz severa imunossupressão nestes pacientes, o que os expõem a vários tipos de infecções virais, micóticas e bacterianas.
Reforçando: pacientes submetidos a TMO permanecerão imunossuprimidos por até um ano depois dos transplantes e estarão em risco durante os tratamentos odontológicos eletivos.
O ideal seria que os hospitais tivessem um departamento odontológico para atendimento de todas as necessidades de tratamento bucal por profissionais treinados para relacioná-las com os problemas sistêmicos.
Não seria um exagero. Aqui falamos somente de TMO, entretanto as necessidades são vastíssimas frente a muitos outros problemas sistêmicos.
A consolidação dessas ideias requererá longa e desgastante batalha. Valerá a pena


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